A preocupação em formar profissionais com capacidades que vão além de domínios técnicos e cognitivos tem levado algumas instituições privadas de ensino superior a incorporar habilidades socioemocionais em seus vestibulares e aulas. Essa tendência surgiu na esteira de pesquisas que mostram o impacto positivo de características como persistência e extroversão para indicadores de sucesso e de uma demanda cada vez maior de profissionais com essas habilidades pelo mercado de trabalho.
O Hospital Albert Einstein, por exemplo, decidiu avaliar habilidades como empatia e capacidade de argumentação dos 256 vestibulandos que chegaram à segunda fase do seu vestibular de medicina. Os que realizaram essa etapa foram informados de que precisariam interagir com um ator que representaria seu colega de apartamento. Ele revelaria ser usuário de drogas e a tarefa seria dar apoio ao “amigo” e conversar sobre possíveis caminhos para solucionar o problema.
Embora não existam respostas certas ou erradas para testes como esse, o desempenho dos alunos é julgado por um time de avaliadores e representa 25% de sua nota final. O resultado tem sido tão relevante que metade dos candidatos que passam para a segunda fase acaba perdendo sua colocação. “É um vestibular muito concorrido. Todos os que passam para a segunda fase são inteligentes. Mas quem nunca conheceu alguém brilhante na parte cognitiva que, por falta de estabilidade emocional, se perdeu no meio do caminho?”, afirma Alexandre Holthausen, diretor da graduação em medicina do Einstein.
“Ser inteligente, mas incapaz de se relacionar com os outros é algo que não tem possibilidade de dar certo na vida real”, concorda Carolina da Costa, vice-presidente de graduação do Insper. A instituição também avalia habilidades socioemocionais na segunda fase de seu vestibular de engenharia. O teste tem o formato de debates, nos quais um grupo de alunos vai se revezando no papel de moderador de temas polêmicos. “Os que vão bem são os que sabem ouvir, construir bons argumentos e ser flexíveis”, diz. Tanto o Einstein quanto o Insper estruturaram o currículo de suas graduações para avaliar o desenvolvimento de tais habilidades. “Não adianta se restringir ao vestibular”, ressalta Holthausen.
A Kroton Educacional é outra que incorporou o estímulo ao desenvolvimento de determinados traços de personalidade em suas graduações. Uma das causas foi a elevada taxa de evasão, que faz metade dos alunos abandonar seus cursos. “Eles falam em falta de dinheiro ou dificuldade para acompanhar as disciplinas, mas começamos a perceber que o principal problema era falta de resiliência”, explica Mario Ghio, vice-presidente acadêmico da instituição. Em 2016, a Kroton criou uma série de disciplinas para ajudar a nivelar alunos com patamares de conhecimentos diferentes e lançou um programa para o desenvolvimento de projetos de vida, em que os calouros traçam metas com a tutoria de veteranos. “Tem ajudado muito eles ouvirem colegas mais experientes contarem que passaram pelos mesmos desafios. É muito mais legítimo do que ouvir conselhos dos professores”, argumenta.
Disputa por vagas
Segundo Ghio, nove em cada dez atributos exigidos por empregadores em vagas para profissionais iniciantes estão mais próximos de características da personalidade do que de habilidades técnicas. A instituição fez essa análise com base nos anúncios de vagas no portal que mantém para conectar empregadores e universitários que estão se formando. Uma das competências mais buscadas é “disposição para o aprendizado contínuo”. Outras características buscadas são a capacidade de trabalhar em grupo, o foco em resultados e o comprometimento.
A descoberta reforça conclusões de pesquisas acadêmicas recentes. Um estudo feito pelo economista David Deming, da Universidade Harvard, mostra que entre 1980 e 2012, nos Estados Unidos, a proporção de empregos que demandavam habilidades sociais em relação ao total de vagas cresceu dez pontos percentuais. No mesmo período, posições intensivas em habilidades matemáticas, como informática e engenharia, encolheram três pontos. Em suas conclusões, Deming ressalta que os atributos sociais têm se tornado mais importantes porque “computadores ainda são muito pobres na simulação de interações humanas”.
Com informações do jornal Folha de S.Paulo