Novo mundo do trabalho exige autocontrole, empatia e capacidade de resolver conflito
Se o universo corporativo valoriza inteligência emocional, faz sentido que o ensino tente desenvolver essa capacidade. Não é de hoje que educadores olham para as chamadas habilidades não cognitivas como forma até de melhorar a absorção do próprio conteúdo pelos alunos. Mas as escolas têm aumentado a oferta de atividades que fazem o estudante lidar com emoções —já que saber trabalhar em grupo e ter empatia, por exemplo, são qualidades buscadas pelo mercado, mas que passam longe do currículo clássico. “Educamos alunos para algo que nem sabemos o que é , então temos que prepará-los para se reinventarem o tempo todo”, diz Katia Pereira, coordenadora psicopedagógica do colégio Marista Arquidiocesano, na Vila Mariana. A escola é uma das instituições que aposta em aulas específicas para debater relacionamentos e temas atuais — mas sem o foco no vestibular. No colégio Bandeirantes, alunos a partir do sexto ano participam da aula de CPG (Convivência em Processo de Grupo), com rodas de diálogo para reflexões sobre justiça, solidariedade e colaboração. “O ideal é você levar o aluno a uma discussão, respeitando o ponto de vista dele, mas o ensinando a argumentar”, diz Estela Zanini, coordenadora de convivência da escola. Em colégios de alto padrão, a cobrança por resultados acadêmicos é grande, e alguns alunos acham que aulas assim são “perda de tempo”. “Para esses meninos, mostro pesquisas provando que grandes empresas estão valorizando outras habilidades além do conteúdo, como capacidade de resolução de problemas”, afirma Estela. Foi em uma aula do CPG no Bandeirantes que surgiu a ideia de criar um grupo para os alunos cuidarem deles mesmos, a Care (Comissão de Apoio Racional e Emocional). “Adolescentes de hoje têm problemas complexos. Mesmo em escolas de elite, há situações de desagregação familiar, violência, de decisões que precisam tomar”, diz Estela. Ninguém melhor para entender as angústias dos jovens do que alguém na mesma fase. “Orientadores e professores ajudam no projeto, mas os protagonistas são os alunos”, diz a estudante do terceiro ano do ensino médio Natália Rocha, 18, que criou o grupo junto com seu colega de classe, Matheus de Almeida, 17. A Care começou pouco antes de dois suicídios de alunos do colégio, em abril, o que reforçou a necessidade de falar sobre problemas psicológicos. “As pessoas ficaram assustadas”, diz Natália. Na última semana de provas, o grupo fez atividades de relaxamento, como pintura. “O objetivo é tornar a escola um lugar melhor”, diz ela. “O ensino de competências socioemocionais não pode ser só para os alunos, a escola tem que se transformar. É preciso que os estudantes vivam situações de empatia e que professores desenvolvam uma cultura de relações melhores”, diz a pedagoga Telma Vinha, coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação Moral da Unicamp. A partir da identificação dos problemas, o grupo dá consultoria a escolas públicas e privadas para que melhorem o ambiente escolar. Também capacita professores para que escutem os alunos e dialoguem com eles sem julgar. Para que o ensino das capacidades emocionais faça a diferença de verdade será preciso levá-lo a sério no currículo. “Tem que ser planejado, como se faz com matemática. Não pode ser no senso comum”, afirma Telma. “São raras as escolas que fazem isso”. No começo, é difícil. “Os alunos tiram sarro, riem, mas depois é legal ver como eles evoluem”, diz a pedagoga. O colégio Vértice, no Campo Belo, que teve um caso de suicídio de aluno em 2017, contou com a ajuda de uma especialista para identificar estudantes mais vulneráveis e fazer um trabalho de prevenção. Por lá, os alunos do nono ano participam do Projeto Empatia, no qual criam e encenam peças para aprender sobre respeito, colaboração e diversidade. “Não dá mais para preparar seus alunos só para dominar conteúdo e fazer avaliação”, diz Adilson Garcia, diretor de ensino médio. Autoconhecimento, empatia, resiliência e persuasão são valores trabalhados com alunos do sexto ao nono ano na disciplina Prevenção e Cidadania na Escola, no Colégio Franciscano Pio XII (Morumbi). As aulas são ministradas pela psicóloga Patrícia Prado. “Como é um colégio franciscano, temos preocupação com o equilíbrio entre o aspecto cognitivo e emocional dos alunos”, diz. Ela utiliza dinâmicas de grupo, e os assuntos variam conforme a demanda. “Alunos me contaram sobre o jogo Baleia Azul [que estimula automutilação e suicídio] antes de a mídia começar a falar”, afirma. Patrícia diz que o comportamento dos alunos melhora com as aulas. “Eles têm mais respeito pelos professores, porque conseguem se colocar no lugar deles.” No colégio Santa Maria, na zona sul, crianças de sete e oito anos já aprendem sobre mediação de conflitos. Sempre que surge um problema, alunos do segundo e terceiro anos do fundamental sentam em roda com suas professoras para discutir. Um bastão é usado para sinalizar com quem está a palavra. “É um trabalho de ouvir o que a criança tem a dizer e o que sente, sem demonstrar reprovação ou interromper”, diz Maria Elizabeth da Costa, orientadora do segundo ano. “Acontecem situações simples, mas para eles são sérias”, diz a orientadora. Como quando um amigo combinou de brincar com o outro, mas depois mudou de ideia. “Quando a criança participa da solução do problema, percebe que conviver com quem pensa diferente não é ruim, e que é possível resolver de forma pacífica.” *Originalmente publicado na Folha.