Para cumprirmos o cronograma intenso de atividades durante a Expedição MundoMaker Pará sem que houvesse conflitos entre os mais de trinta expedicionários selecionados, adotamos técnicas da Comunicação Não Violenta (CNV) para resolver todo e qualquer problema levantado. O resultado foi uma equipe harmoniosa e coesa, que soube dialogar e encontrar soluções de maneira prática e equilibrada. Mas, afinal, o que é a Comunicação Não Violenta?
Criada pelo psicólogo norte-americano Marshall Rosenberg e ensinada há mais que 40 anos por uma rede mundial de mediadores, facilitadores e agentes voluntários, a CNV vem sendo utilizada por pessoas que desejam intervir e agir com meios práticos e eficazes a favor da paz. Ela mostra como as formas culturais predominantes de nos comunicarmos nos levam a entrar em choque com colegas, familiares e pessoas com opiniões ou culturas diferentes. Rosenberg define-a da seguinte forma:
“A Comunicação Não Violenta é baseada nos princípios da não violência. A CNV começa por assumir que somos todos compassivos por natureza e que estratégias violentas (verbais ou físicas) são aprendidas, ensinadas e apoiadas pela cultura dominante. A CNV também assume que todos compartilham necessidades humanas básicas e que cada uma de nossas ações é uma estratégia para atender a uma ou mais dessas necessidades.”
Em outras palavras, trata-se de um modo de vida baseado na compaixão que, exercida por meio da comunicação, cria relações pacíficas entre as pessoas. Ela é muito útil para resolver conflitos e identificar as necessidades de si mesmo e do outro. A CNV oferece três pontos de partida para nos conectarmos com o outro: oferecer empatia; expressar suas próprias observações, sentimentos e necessidades; e promover conexão consigo mesmo por meio da autoempatia.
Nos anos 60, a CNV foi usada em projetos federais do governo americano a fim de integrar de forma pacífica escolas e instituições públicas. Ao longo dos anos, Rosenberg e sua equipe criaram sistemas de apoio à vida com administradores escolares, professores, profissionais de saúde, policiais, mediadores, sistemas jurídicos, gerentes de empresas, detentos, guardas, líderes religiosos e autoridades governamentais em mais de 50 países, entre eles Itália, Israel, Reino Unido, Dinamarca, Alemanha e Sérvia.
Aprenda a praticar a CNV:
Faça observações que estão levando você a sentir necessidade de dizer algo. Devem ser observações puramente factuais, sem julgamento ou crítica. Exemplo: “são duas da manhã e eu escutei seu rádio tocando” é um fato observado, enquanto que “já está tarde para fazer essa barulheira” é uma crítica. Pessoas normalmente discordam de críticas por valorizarem as coisas de maneiras diferentes, mas fatos observáveis abrem espaço para a comunicação.
Afirme o sentimento que a observação lhe desperta e escute o que o outro está sentindo. Nomear a emoção, sem julgamento moral, permite que os interlocutores se conectem e tenham respeito mútuo. Exemplo: “vejo que seu cachorro está correndo por aí latindo e sem coleira. Fico meio assustado”.
Declare a necessidade que é causa de seu sentimento ou adivinhe a necessidade que causou o sentimento na outra pessoa. Quando nossas necessidades se encontram, temos sensações felizes e agradáveis; quando elas não se batem, temos sensações desagradáveis. Ao compreender o sentimento, você pode encontrar a necessidade subjetiva. Afirmar a necessidade, sem julgá-la moralmente, lhe dá clareza sobre o que ocorre no seu coração ou no do outro no instante da conversa. Exemplo: “vejo que você afasta o olhar enquanto falo. Sinto-me desconfortável, pois preciso de um pouco de contato agora”. Estarmos sempre buscando sanar nossas necessidades não quer dizer que tenhamos consciência delas nem que saibamos comunicá-las. Pelo contrário, somos treinados culturalmente a mentir sobre como nos sentimos, inclusive para nós mesmos, a ponto de perdermos contato com o que sentimos de verdade.
Faça um pedido concreto para que a ação encontre a necessidade identificada.Peça de maneira clara e específica aquilo que você quer em vez de dar dicas ou afirmar apenas o que não deseja. Para que o pedido seja realmente um pedido, e não uma exigência, permita que a outra pessoa diga não ou proponha alternativas. Exemplo: “notei que você não falou coisa alguma nos últimos dez minutos. Está se sentindo entediado?” Se a resposta for sim, você pode revelar seu próprio sentimento e propor uma ação: “acho muito legal conversar com essas pessoas aqui. Que tal nos encontrarmos daqui a uma hora, quando eu acabar a conversa?”
Lembre-se:
Nem sempre você pode adivinhar o que o outro precisa ou sente. O fato de você escutar e querer compreender sem criticar, julgar, analisar ou discutir fará com que o outro se abra mais. Você pode ajudar alguém a se abrir ao compartilhar honestamente os próprios sentimentos e necessidades. A técnica básica é se conectar emocionalmente para identificar as necessidades do outro. Ir direto à resolução do problema ou à discussão faz com que o outro se sinta ignorado. Por exemplo, se um colega disser: “você colocou meu suéter na secadora e ele está arruinado! Seu descuidado!”. Nesse caso, é melhor responder com empatia: “Vejo que você está se sentindo triste por pensar que não sou cuidadoso o bastante com suas coisas”. Dependendo da intensidade da emoção e da pobreza de comunicação, você pode ter de lutar muito antes de obter uma resposta. Nesse ponto, você pode pedir desculpas ou propor novas ações, de forma a fazer com que seu colega saiba que você se importa.
Nossos sentimentos são nossa responsabilidade. A tristeza que sinto quando alguém querido me decepciona e a raiva que me consome quando alguém me agride são sentimentos que pertencem a mim. A agressão, ou o ato que serve como gatilho, pode vir de outra pessoa, mas o sentimento é um sistema interno meu para me avisar que tem algo errado. A responsabilidade pelo que eu sinto é minha, de mais ninguém. Ninguém me deixa triste. Não há pessoa que me dê raiva. Essas frases são ficções que usamos para deslocar para longe de nós a responsabilidade por aquilo que sentimos. Quando sinto raiva, tristeza, alegria, cabe a mim lidar com esses sentimentos, reconhecer o que eles querem dizer e escolher o que fazer com eles. Isso não significa que é fácil, mas algo que pode ajudar é compreender a razão por trás dos nossos sentimentos.
Algumas vezes, um modelo de frase memorizado pode ajudá-lo a estruturar o que precisa ser dito:
”Está se sentindo _____ por precisar de ____?” Enfatize da melhor maneira possível seus sentimentos para preencher os espaços. Você provavelmente conseguirá enxergar a situação através dos olhos dos outros.
”Está nervoso por pensar em ____?” A raiva é ativada pelos pensamentos, como “Eu acho que você mentiu”, ou “Eu acho que mereço mais um aumento do que fulano”. Descubra o pensamento e você conseguirá encontrar a necessidade.
”Ando pensando se você está se sentindo ___” é outro jeito de sentir empatia sem fazer uma pergunta de maneira explícita. A frase esclarece que você acha algo, sem tentar analisar o outro ou forçar o outro a se sentir de tal jeito.
”Ando pensando ____” é um jeito de expressar um pensamento de forma a ele ser ouvido como sendo um pensamento. O pensamento é capaz de mudar de acordo com novas informações ou ideias passadas pelo próximo.
”Você gostaria se eu ___?” é um jeito de oferecer ajuda para abordar uma necessidade recentemente identificada.
Evite dizer: “Você me fez sentir ____”, “Me sinto ___ por você ter feito ____”, e especialmente: “Você está me deixando nervoso”. Isso coloca a responsabilidade por seus sentimentos na outra pessoa, evitando identificar a necessidade que é a verdadeira causa por trás de seus sentimentos. Uma alternativa: “Quando você fez___, me senti ___, pois precisava de ____”.
Fontes
Comunicação não-violenta: técnicas para aprimorar relacionamentos pessoais e profissionais, de Marshall Rosenberg
O centro da comunicação Não-Violenta
NVC Academy, treinamento online