No pouco ortodoxo modelo de ensino que levou a Finlândia ao topo dos rankings globais de educação, uma inovadora inversão de papéis começa a tomar corpo: alunos estão dando aulas aos professores, para ensinar os mestres a otimizar o uso de tecnologias de informação e comunicação nas escolas.
“Crianças e adolescentes aprendem a lidar com novas tecnologias e aplicativos de maneira muito mais rápida do que nós, adultos. E eles não têm medo de tentar coisas novas”, afirma Pasi Majasaari, diretor da escola Hämeenkylä, na cidade de Vantaa, próxima à capital Helsinki. “É maravilhoso ter crianças de até dez anos de idade dando aulas de tecnologia aos nossos professores, e os resultados têm sido surpreendentes. Tanto para os estudantes como para os mestres.
O projeto OppilasAgentti (“Agentes Escolares”, em tradução livre) está sendo conduzido em cerca de cem escolas finlandesas, e a ideia é levar a nova experiência a um número cada vez maior do universo de 3.450 instituições de ensino do país. Trata-se de um modelo para desenvolver as competências tecnológicas não apenas dos professores, mas de toda a comunidade escolar – e também do seu entorno: os alunos da escola Hämeenkylä, por exemplo, também estão dando aulas aos idosos de um asilo local sobre como usar redes sociais, iPads e outros dispositivos.
“Acreditamos que é importante ensinar nossas crianças a descobrir seus potenciais e a desenvolver seus valores, e mostrar a elas o impacto positivo que cada indivíduo pode exercer na sociedade”, observa Majasaari. “É preciso compreender a realidade à sua volta, e por isso nossos alunos também cooperam com a igreja local em programas assistenciais para a alimentação dos mais pobres e menos favorecidos em nossa sociedade”, acrescenta.
A escola tradicional, dizem os finlandeses, já não funciona mais. “O modelo de educação da era industrial treinava crianças para ficarem sentadas, quietas e em silêncio, e executar tarefas repetitivas. As crianças de hoje não querem e não precisam mais ficar sentadas. Elas precisam exercitar sua criatividade, exercer um papel ativo e serem ensinadas a pensar por conta própria”, diz Majasaari.
Constante evolução
A ideia de envolver os alunos na capacitação tecnológica dos mestres nasceu a partir de relatos de muitos professores, que diziam ter dificuldades em se manter atualizados com a constante evolução da era digital.
“Muitas inovações tecnológicas são compradas regularmente para equipar as escolas, como por exemplo novos aplicativos ou as imensas tevês inteligentes de tela plana que temos em nossos corredores. Mas vários professores ou não sabiam como usá-los em todo o seu potencial, ou não tinham tempo suficiente para se dedicar a essa tarefa”, diz o diretor da escola Hämeenkylä.
Os alunos do projeto StudentAgents têm entre dez e 16 anos de idade. Pelo sistema, os estudantes interessados em participar se apresentam como voluntários, e relatam suas competências e habilidades em determinadas áreas. As escolas também oferecem treinamento aos alunos, em aulas ministradas por especialistas de diferentes empresas finlandesas que revendem soluções tecnológicas para o sistema de ensino do país. A partir daí, os estudantes produzem um mapeamento das necessidades digitais da escola, sob a orientação de um professor. Eles fazem então um planejamento das atividades necessárias, e passam a atuar em três frentes.
Na sala dos professores, os alunos dão aulas ocasionais sobre como usar diferentes dispositivos e aplicativos. Professores também podem contatar os estudantes para pedir assistência individual, a fim de solucionar pequenos problemas. E os alunos-mestres também atuam como professores assistentes nas salas de aula, para prestar ajuda tanto aos professores quanto a outros colegas de classe quando determinada lição envolve o uso de tecnologia.
“Os alunos estão ajudando a implementar uma série de novas soluções digitais nas escolas, como a prestação de apoio técnico na introdução de sistemas”, diz à BBC Brasil Risto Korhonen, da Ilona IT, uma das empresas finlandesas que vêm realizando treinamentos para os alunos do projeto StudentAgents. As aulas de codificação são particularmente relevantes, ele diz. “Grande parte dos professores possui um conhecimento limitado nessa área, e por isso os alunos desempenham um importante papel ao ensiná-los a lidar com dispositivos de codificação.”
Os estudantes do projeto também realizam webinários (seminários transmitidos via internet) para ensinar colegas de outras escolas, além de treinar crianças menores em técnicas de edição e animação de vídeos. “Nossos alunos estão ainda dando suporte técnico a uma série de atividades na escola. Por exemplo, eles desenvolvem os efeitos especiais e todo o sistema técnico para os concertos de música que realizamos.”
Alunos felizes e orgulhosos
Os resultados positivos da experiência foram apresentados recentemente durante o evento que a Finlândia classificou como a maior reunião de pais e professores do mundo – uma conferência realizada simultaneamente, nas escolas de todo o país, para debater a agenda de reformas necessárias a fim de preservar o nível de excelência do ensino público finlandês nos próximos anos.
“Os alunos estão felizes, e orgulhosos de si mesmos. Alguns deles, que não eram bons alunos em determinadas matérias, adquiriram uma nova autoconfiança. Uma de nossas crianças apresentava problemas de concentração, mas floresceu de forma surpreendente quando demos a ela esta oportunidade de participar de maneira ativa e positiva na escola”, conta Majasaari.
Os professores também têm aprovado os efeitos da inovação. É uma lógica natural, aponta o diretor da escola. “Quando ajudamos as crianças a identificar seus talentos e suas forças, elas se comportam melhor, aprendem melhor e obtêm melhores resultados nas escolas.”
Inverter o papel tradicional dos alunos nas escolas é mais um pensamento fora da caixa do celebrado sistema finlandês, que conquistou resultados invejáveis nos rankings mundiais de educação com um receituário que inclui menos horas de aulas, poucas lições de casa, férias mais longas e uma baixa frequência de provas. Um dos principais pontos do novo currículo escolar, adotado em agosto do ano passado, é fazer com que as crianças se transformem em aprendizes ativos.
“É um novo conceito de aprendizado”, afirma Majasaari. “Nossos alunos do ensino médio já não usam mais livros escolares. Nas aulas de História, por exemplo, os estudantes aprendem a trabalhar com chromebooks (computadores pessoais) que permitem a eles coletar informações, analisar dados e escrever seus próprios livros eletrônicos. Assim, eles aprendem ao mesmo tempo história e tecnologia. Nossa missão é encontrar novas formas de aprimorar a escola e dar aos alunos a possibilidade de descobrir seus talentos, desenvolver sua autoestima e aprender coisas que serão importantes para suas vidas no futuro.”
Fonte: BBC Brasil