O matemático e engenheiro Salman Khan, formado pela Universidade Harvard e pelo MIT (Massachusetts Institute of Technology), movimentou o sistema educacional ao propor um modelo de ensino conhecido como “sala de aula invertida” (“flipped classroom”, em inglês), em que as crianças assistem a vídeos explicativos de curta duração em casa e, na escola, ficam livres para debater, tirar dúvidas, fazer exercícios e resolver problemas. Os momentos de exposição, em que os alunos estão sentados, passivos, de frente para o quadro, acontecem com menos frequência e os alunos precisam se rearranjar constantemente em grupos para executar as tarefas.
“Se estou aprendendo algo pela primeira vez, a última coisa que quero é outro ser humano na minha frente, esperando que eu entenda. É estressante. O que quero é passar algum tempo com aquilo, repetir, reler, pesquisar e depois começar a formular perguntas. Depois disso estou pronto para ficar frente a frente com outro ser humano de forma produtiva”, declarou Khan, em entrevista à revista Época.
A ideia surgiu quando Khan decidiu gravar vídeos com a explicação narrada ao fundo e números aparecendo em uma lousa para ajudar uma prima que possuía dificuldades em matemática, mas morava distante. Os vídeos se tornaram tão populares que o educador largou o mercado financeiro para criar a Khan Academy, que usa o mesmo formato para ensinar matemática, ciências, programação e humanidades.
Nos últimos sete anos, suas aulas foram assistidas quase 230 milhões de vezes – os filhos de Bill Gates são fãs declarados de seu método – e, no ano passado, ele foi considerado pela revista Time uma das 100 pessoas mais influentes do mundo. Segundo Khan, ao contrário do que muitos temem, as videoaulas em casa não diminuem nem a necessidade de um bom professor nem a importância dos momentos presenciais de interação. O que acontece é uma valorização de ambos, uma vez que os professores usam a tecnologia para humanizar a sala de aula e transformá-la em um espaço de troca.
“Enquanto o mundo requer gente criativa e com alta capacidade inovadora, o modelo vigente reforça a passividade. Quando nos livramos da noção de uma pessoa entregando a informação diante de uma sala de aula em um ritmo definido, isso nos permite repensar nossos pressupostos sobre como uma sala de aula ou uma escola pode ser. Nós podemos até considerar a possibilidade de ter professores na mesma sala de aula trabalhando com alunos que têm diferentes idades e graus de habilidade”, afirmou, em artigo publicado pela Times.
Invertendo a sala de aula invertida
Uma pesquisa realizada pela Faculdade de Educação de Stanford, em 2013, vai além do método proposto por Khan: ela afirma que a experiência educativa pode ser muito mais efetiva se, em vez de aprender de casa, o primeiro contato com a disciplina acontecer a partir de atividades práticas, com experiência e investigação. O estudo mostra que o aprendizado iniciado com a prática pode ser 25% maior do aquele que começa com conceitos abstratos. É a chamada “reinversão da sala de aula invertida” (em inglês, “flip the flipped classroom”).
“Quando se tem uma intuição na educação, é preciso fazer uma pesquisa antes de defendê-la. Foi isso que fizemos com a sala de aula invertida. Ela é uma boa ideia, mas, com mais uma inversão no início do processo, pode ficar muito melhor”, argumenta Paulo Blikstein, professor assistente de Stanford e um dos responsáveis pela pesquisa.
Participaram do estudo 28 alunos de graduação, sendo que nenhum deles havia tido aula de neurociência anteriormente. Eles foram divididos em dois grupos: metade foi submetida à metodologia da sala de aula invertida e metade ao método que reinverte a sala de aula. No início, todos fizeram um teste sobre conhecimentos de neurociência. Na sequência, o primeiro grupo leu sobre o assunto, enquanto o segundo teve contato com uma ferramenta digital interativa chamada Brain Explorer, que mostra como o cérebro humano processa imagens. No fim dessa etapa, os alunos fizeram uma prova e os que tiveram acesso à atividade exploratória obtiveram nota 30% superior a dos colegas que leram sobre o assunto. Os grupos, então, trocaram de atividade. Os que tinham lido puderam manipular o Brain Explorer e os que haviam trabalhado com a ferramenta foram ler sobre o assunto. Quando um novo teste foi aplicado, o grupo que tinha sido introduzido ao assunto com uma proposta “mão na massa” voltou a ter nota maior, dessa vez 25% superior aos outros colegas. Para tirar a prova dos nove, os pesquisadores fizeram todo o experimento novamente usando videoaulas em vez de textos e o resultado foi similar.
“O que defendemos é a difusão do aprendizado por projeto e a oportunidade de aprender com mão na massa e de explorar um problema. Estamos mostrando que experiência, investigação e resolução de problemas não são apenas ‘coisas legais’ de se ter em sala de aula, são mecanismos de aprendizado poderosos”, afirma Blikstein.
O pesquisador defende o método da sala de aula invertida, mas faz um alerta: é preciso atentar para a forma como ela é usada. “A sala de aula invertida vai na direção certa: precisamos de menos aulas expositivas e mais experiências práticas. No entanto, ao não prestar atenção às pesquisas, podemos usar o que é uma boa ideia de um jeito errado.”