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Desenvolvimento integral do professor vai além do olhar para o socioemocional
Duas experiências internacionais de formações para educadores fortalecem a conexão entre múltiplas dimensões do ser humano
Formar um professor que além de dominar o conteúdo, saiba entender suas emoções e estabelecer relações positivas com seus pares e alunos demanda um olhar para o desenvolvimento integral. Até que ele ou ela entendam que o aluno precisa avançar em diferentes dimensões, o caminho profissional deve ser acompanhado de um constante trabalho de autoconhecimento.
A pesquisa Observatório do Professor, realizada pelo Instituto Península em parceria com a Ps2P, sinaliza que o desenvolvimento integral dos professores deve começar na formação inicial, com atividades práticas, de reflexão e conteúdos que preparem os profissionais para as realidades que vão encontrar em sala de aula. Na formação continuada, por sua vez, a formação integral pode envolver questões que vão além do conteúdo e abarcam, por exemplo, o fortalecimento do professor em suas relações e emoções, assim como uma maior compreensão da realidade onde a escola está inserida.
Considerando essa gama de conteúdos possíveis, o que significa formar um professor integralmente? Quais são as estratégias para fazê-lo? Para Mariana Breim, diretora da plataforma Vivescer e de desenvolvimento integral do Instituto Península, incentivar o desenvolvimento integral é encarar o professor como um ser inteiro, composto por inúmeras dimensões: o corpo, propósito pessoal, a dimensão socioemocional, moral e muitas outras.
“Todas essas dimensões colaboram para compor um ser completo, que precisa estar inteiramente disponível na relação com o aluno, para que possa proporcionar um desenvolvimento integral a ele. É necessário ensinar o professor não só a alfabetizar, mas também como criar um clima de conexão e abertura dentro de sala de aula, como deve regular as próprias emoções e, com isso, ajudar que os estudantes façam o mesmo”, exemplifica Mariana.
O professor precisa estar saudável em sala de aula, precisa cuidar de si, da voz, das emoções e de seu equilíbrio, porque só assim é que vai poder desenvolver nos alunos competências gerais de autoconhecimento e autocuidado
Essa conexão entre o bem-estar emocional e autocuidado do docente com sua prática em sala de aula é defendida pela nota técnica Desenvolvimento Integral de Professores, elaborada pelo Instituto Península. No trecho “É preciso que os professores apresentem um bom grau de maturidade emocional além de confiança em sua capacidade de trabalho e clareza de estratégias didáticas adequadas”, fica claro que, além de um trabalho com as competências socioemocionais, o desenvolvimento integral docente diz respeito também a competências cognitivas e híbridas, que misturam as outras duas. “Tudo começa com autoconhecimento e autocuidado. O professor precisa estar saudável em sala de aula, precisa cuidar de si, da voz, das emoções e de seu equilíbrio, porque só assim é que vai poder desenvolver nos alunos competências gerais de autoconhecimento e autocuidado”, explica Mariana.
O Porvir conversou recentemente com dois centros nos Estados Unidos dedicados a promover esse tipo de abordagem. O Center for Reaching & Teaching the Whole Child, na Califórnia, nasceu em 2009 como um projeto da Universidade de San Jose State com o propósito de trazer um olhar cultural para a prática docente. A educadora Nancy Markowitz, fundadora da instituição, afirma que durante muito tempo a discussão socioemocional nos Estados Unidos ignorou o contexto cultural e racial. Hoje, como um projeto autônomo, a ONG (Organização Não Governamental) oferece cursos de formação destinados trazer esse trabalho reflexivo para dentro das universidades e também de secretarias de ensino.
Para isso, o centro desenvolveu um modelo de “competências-âncora”, que Nancy compara ao uso de lentes que permitem ao professor enxergar suas capacidades e desenvolvê-las de maneira contínua e adaptada às necessidades de sua sala de aula. A fundadora do CRTWC explica que a abordagem tenta conscientizar o professor de que o lado socioemocional, as questões relacionadas a traumas ou a prática de meditação não devem ser tratadas de forma isolada. “Nosso modelo reúne todas essas questões porque, no final das contas, mindfulness (técnica de atenção plena) é parte da autorreflexão, que por sua vez está ligada a uma de nossas competências-âncora. E essa é uma questão que tanto os alunos quanto os professores precisam trabalhar”, afirma.
Professores podem ter contato com as intervenções do CRTWC tanto na fase de formação inicial, quando estão no período de residência pedagógica, como quando já estão de fato estabelecidos em sala de aula. Na Califórnia, por exemplo, o centro oferece formação para líderes pedagógicos, que atuam como multiplicadores em suas secretarias.
Quando os professores ainda estão ligados a um curso de formação inicial, o programa chega a durar um ano. Nestes casos, o desenvolvimento da “lente” fica mais claro, segundo Nancy. “Não é um curso socioemocional, mas algo que apoia o professor no momento da aula de matemática, de alfabetização ou na hora da gestão de sala de aula”. No entanto, segundo a educadora, mesmo para aqueles profissionais com anos de sala de aula, a abordagem faz a diferença, desde que exista a abertura ao novo e a tão falada mentalidade de crescimento. “Conheço professores que estavam à beira da aposentadoria por causa de esgotamento psicológico e que passaram a assumir um papel de liderança”, conclui.
Também na Califórnia, o Greater Good Science Center, na Universidade de Berkeley, é uma instituição dedicada ao estudo da psicologia, da sociologia e da neurociência para o bem-estar. Durante o verão nos Estados Unidos (menos em época de pandemia, quando os encontros passaram a ser online), o centro reúne educadores para um curso de curta duração em que aprendem a questionar suas próprias crenças, valores e práticas sobre bem-estar, tanto no nível pessoal quanto no contato com os alunos.
A partir desse momento, esses profissionais aprendem como integrar evidências científicas e novos processos para o dia a dia de suas escolas, desde o relacionamento entre funcionários, ao clima escolar e o processo de aprendizagem. Em conversa com o Porvir, a diretora de educação Vicki Zakrzewski explicou um pouco das ideias que movem o Greater Good Science Center, criado pelo professor de psicologia Dacher Keltner.
“O professor Keltner defende que os seres humanos têm uma capacidade inata de bondade, compaixão e cooperação, mas existe uma crença de que somos egoístas, gananciosos e desconectados. Keltner sabe disso, mas entende que o lado compassivo é mais forte que o outro”, disse Vicki, que em seguida faz uma série de questionamentos.
E se pudermos reconstruir nossas instituições com essa premissa de que todos temos a capacidade de sermos gentis, cooperar e estabelecer conexões?
“Diante disso, partimos de como nos vemos como seres humanos. Se temos esses dois lados, como podemos adaptar nossas escolas? E se pudermos reconstruir nossas instituições com essa premissa de que todos temos a capacidade de sermos gentis, cooperar e estabelecer conexões? Como as escolas poderiam mudar o mundo?”.
*Originalmente publicado no porvir.org
por Maria Victória Oliveira / Vinícius de Oliveira